Lélia Gonzalez: mulheres quilombolas e o feminismo descolonial

Veja como Lélia Gonzalez inspira as mulheres quilombolas de São Tomé na luta por cultura, resistência e um feminismo descolonial.

PERSONAGENS E HISTÓRIAS DE VIDA

6/16/20255 min read

Lélia Gonzalez: mulheres quilombolas e o feminismo descolonial

“Não há transformação social sem a voz da mulher negra.” Essa frase poderia muito bem resumir a trajetória de Lélia Gonzalez, uma das maiores intelectuais brasileiras do século XX. Filósofa, antropóloga, professora e ativista, ela desafiou o racismo estrutural e o sexismo institucionalizado, propondo um novo olhar para a cultura afro-brasileira, e, sobretudo, para o papel das mulheres negras como protagonistas da história.

Na Comunidade Quilombola de São Tomé, em Campo Formoso (BA), essa força se manifesta todos os dias, de forma silenciosa, firme e ancestral. E é nessa conexão entre teoria e prática que entendemos como o pensamento de Lélia segue vivo: nas mãos das parteiras, nos cantos das mestras, nos passos das lideranças femininas que sustentam a memória e a cultura de seu povo.

Quem foi Lélia Gonzalez?

Lélia Gonzalez nasceu em 1935 no Rio de Janeiro, filha de uma empregada doméstica negra e de um operário branco. Essa origem social já carregava, em si, a tensão que marcaria sua vida e sua obra: a interseção entre racismo e sexismo.

Doutora em Antropologia, lecionou em universidades e publicou textos que marcaram o pensamento negro e feminista no Brasil. Participou da fundação do Movimento Negro Unificado e foi uma das primeiras vozes a defender um feminismo descolonizado, centrado nas vivências das mulheres negras da América Latina.

Amefricanidade: um novo centro para a história

Lélia criou o conceito de amefricanidade para descrever a mistura cultural entre América Latina e África. Para ela, a identidade brasileira era formada principalmente pelas contribuições africanas e indígenas, não pelas elites brancas que tentavam se ver como europeias. A amefricanidade valoriza as culturas negras e indígenas como fontes legítimas de conhecimento, arte, linguagem e organização social.

O que significa descolonizar o feminismo?

O feminismo, em sua forma tradicional e eurocêntrica, muitas vezes ignorou as experiências específicas das mulheres negras, indígenas, periféricas e quilombolas. Lélia Gonzalez denunciava esse apagamento e defendia que não há libertação das mulheres sem considerar o racismo e a opressão de classe.

A mulher negra como sujeito político

Para Gonzalez, a mulher negra não deveria ser apenas “tema” de discussões, mas autora da sua própria história. Ela já resiste no cotidiano, mesmo sem ser reconhecida como tal pelas estruturas acadêmicas ou midiáticas. Sua luta não é nova: vem de séculos de escravização, silenciamento e invisibilização.

As mulheres de São Tomé e a prática da resistência

Ao olhar para São Tomé, percebemos essa luta viva. As mulheres da comunidade não precisaram ler Gonzalez para viver Gonzalez. Elas já descolonizam o mundo todos os dias com seus saberes, seus cuidados e sua espiritualidade.

Lideranças locais e saberes ancestrais

Nomes como Dona Eunilde, que hoje lidera tanto as Ciganinhas quanto parte do Reisado da comunidade, representam essa força ancestral. Ela não apenas preserva tradições, mas garante a continuidade de uma história coletiva. Assim como as parteiras, as benzedeiras, e as Marias Quilombolas que organizam as festas e repassam as rezas: são guardiãs de uma sabedoria que a Academia por muito tempo ignorou.

Fé, cuidado e preservação da cultura

A religiosidade das mulheres quilombolas não está separada de sua ação política. O catolicismo popular, os ritos afrodescendentes e o cuidado com o outro formam uma espiritualidade do cotidiano. A mulher negra de São Tomé educa, cura, protege e organiza — muitas vezes em silêncio, mas com imensa potência.

Lélia Gonzalez ainda vive nas práticas das mulheres quilombolas?

Sim, e com toda certeza. Porque o feminismo de Lélia não é só um discurso, é uma prática social, coletiva, cotidiana. E nada encarna melhor esse espírito do que a vida das mulheres quilombolas de São Tomé.

Exemplo de Dona Eunilde e outras matriarcas

Quando uma mulher como Dona Eunilde mantém vivas tradições culturais diante da falta de apoio, da invisibilidade e da desigualdade de gênero, ela está, ainda que não nomeie assim, descolonizando o feminismo. Ela o transforma em ação, em resistência, em permanência.

O feminismo que nasce da terra e da oralidade

A proposta de Lélia Gonzalez nunca foi criar um feminismo de gabinete. Era, e ainda é, um chamado para olhar para os territórios, para os quilombos, para as ruas, para os corpos negros que resistem com palavras, danças, plantas, tecidos, gestos e afetos.

Conclusão

Descolonizar o feminismo é reconhecer, valorizar e fortalecer o que já existe. E nas comunidades quilombolas como a de São Tomé do municipio de Campo Formoso - BA, isso significa dar visibilidade às mulheres que sustentam, criam e recriam um mundo inteiro todos os dias.

Lélia Gonzalez vive em São Tomé, não como símbolo, mas como prática. Como memória viva que se dança, se canta e se passa adiante, como herança e como futuro.

Quer conhecer mais vozes femininas que moldam a resistência quilombola? Explore outros artigos em nosso blog e compartilhe com quem valoriza as raízes que sustentam o futuro.