São Cosme e São Damião: Quando a Fé Quilombola Encontra o Doce da Esperança

Um artigo que explora a devoção a São Cosme e São Damião dentro das comunidades quilombolas, revelando como essa tradição envolve proteção espiritual, partilha e transmissão de saberes ancestrais. Mais do que distribuição de doces, a festa representa amor, fé e resistência cultural.

FÉ, RITOS E ESPIRITUALIDADE

6/12/20253 min read

Introdução

Todo dia 27 de setembro, ruas e terreiros se enchem de cores, sacolas de doces, rezas e memórias vivas. Para muitas comunidades quilombolas, como a de São Tomé, essa data não é apenas um feriado religioso — é um momento sagrado em que a fé católica e os saberes afro-brasileiros se entrelaçam. A devoção a São Cosme e São Damião vai muito além da simbólica entrega de doces: ela representa o cuidado com as crianças, a conexão com a ancestralidade e a resistência de um povo que transforma fé em cultura.

A Simbologia de Cosme e Damião

Gêmeos santos, médicos e protetores

Cosme e Damião foram irmãos gêmeos, médicos e mártires cristãos que viveram na Síria, conhecidos por curarem gratuitamente os doentes. Após suas mortes, foram canonizados pela Igreja Católica e passaram a ser venerados como padroeiros das crianças. Com o passar do tempo, ganharam destaque no Brasil, especialmente nas comunidades negras, que associaram a figura dos santos a valores de cuidado, generosidade e proteção espiritual.

Representação na fé e na cultura afro

Nas religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, São Cosme e São Damião são sincretizados com os Ibejis — divindades infantis que representam a alegria, a fertilidade e o equilíbrio. Essa junção fortaleceu ainda mais a presença dos santos nas comunidades quilombolas, onde a espiritualidade é vivida com raízes profundas e com respeito aos mistérios do passado.

A Tradição Quilombola e a Infância

Adoçar as crianças como proteção espiritual

A distribuição de doces no dia 27 de setembro tem um significado que vai além do agrado às crianças. É um gesto de fé, uma oferenda simbólica que busca proteção espiritual, saúde e prosperidade para os pequenos e para toda a comunidade. Nas casas, costuma-se montar pequenos altares com imagens dos santos, flores, velas e panelas de pipoca ou doces. As crianças recebem as guloseimas com alegria — e com elas, uma bênção que atravessa gerações.

A festa como ferramenta de educação comunitária

Muitas comunidades aproveitam esse momento para ensinar os mais jovens sobre os valores de solidariedade, partilha e respeito ao sagrado. Os mais velhos contam histórias, entoam rezas e preparam as oferendas com cuidado, garantindo que os saberes ancestrais não se percam. A festa, portanto, também é uma aula viva de fé e identidade coletiva.

Entre Fé e Cuidado: Um Ato de Amor Coletivo

Partilhar doces é partilhar bênçãos

Distribuir doces é muito mais que uma tradição. É um ritual de afeto, de esperança e de continuidade. Nas comunidades quilombolas, esse gesto simples carrega o poder de reunir famílias, ativar memórias, agradecer pelas curas e renovar laços espirituais com os santos protetores. Os doces são como sementes: plantam alegria no presente e cultivam fé para o futuro.

O papel das mulheres nas celebrações

Em muitas comunidades, são as mulheres — avós, mães, rezadeiras e lideranças — que mantêm viva a tradição. São elas que preparam os saquinhos de doces, enfeitam os espaços de oração e conduzem os rituais. Através de suas mãos, São Cosme e São Damião se tornam presença constante no cuidado com as crianças e no fortalecimento da espiritualidade comunitária.

Conclusão

A celebração de São Cosme e São Damião nas comunidades quilombolas é um exemplo poderoso de como fé e cultura caminham juntas. É uma expressão viva de resistência, doçura e pertencimento. Mais do que santos, Cosme e Damião são símbolos de um povo que transforma religiosidade em identidade, e doces em gestos de esperança. Que essa tradição continue a adoçar os caminhos das próximas gerações, mantendo acesa a luz da ancestralidade.

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